terça-feira, 3 de agosto de 2010

Sobre as lágrimas de Marco Aurélio Milano.

Nunca tinha visto meu avô chorar, nunca. Já ouvi histórias de como ele chorou quando soube que minha vó havia morrido, alguns leves rumores de uma lágrima ou outra que se perdeu nos cantos da casa empoeirada. Só palavras, e lembranças não minhas.
Certa vez, em certo filme, uma certa Tangerina disse a um certo Joel Barish, que ninguém sabe o quão solitário é ser uma criança. Correto. Corretíssimo, eu diria. Mas o que poucos sabem é da solidão desoladora de um senhor que, não por escolha, não por vontade própria, voltou a ser criança. Eu também não sei como é essa dor, mas posso ve-la nos olhos brilhosos de meu avô, todas as vezes em que ele aparece no portão, para abri-lo para mim.
Marco Aurélio Milano tem setenta anos, mas aparente muito mais. Sofreu muito na vida, emocional e físicamente. Não fala mais, não pode mais ingerir nada sólido, consegue dar poucos passos e precisa eventualmente de um tubo de oxigênio para respirar. Esse é meu avô hoje, que ontem foi comunista fervoroso, fã de Chico Buarque de Hollanda e amante latino incorrigível.
Ele ainda é um herói e tanto, mas sua luta é a luta diária para sobreviver. Com suas manias de velho cri-cri e seu jogo de loteria do qual não abre mão, ele sempre dá um jeito de me abrir um sorriso quando vou para sua casa.
Não tinha idéia, não tinha idéia de como ele sofre com a vida que leva hoje hoje. Ele não me contou nada, não reclamou ou praguejou. Vejo a tristeza em seus olhos, vejo o cansaço, vejo-o sonhando seus sonhos inquietos, todo encolhido na cama, como um bebê.
Eu o amo, amo muito, amo muito.
Nunca tinha visto meu avô chorar, nunca. Por esses dias vi algumas lágrimas escorrerem, vi até ele perder o pouco ar que tem em seus pulmões cansados.
Lágrimas de alegria, lágrimas que brotaram por um motivo tão singelo, tão simples. "São essas as coisas que fazem ele feliz hoje em dia", disse a minha mãe. É a simplicidade que só uma criança pode enxergar. Agora sei que os velhinhos também enxergam.
Então, em um choro velado, baixinho, e escondido, chorei com ele.

Um comentário:

Jenny Souza disse...

mais uma vez arrepiou.
e meu orgulho já ultrapassa as linhas imaginárias do infinito.

Obrigada por esse texto lindo, já consigo ver sua mãe segurando o Fredê (apelido carinhoso que eu dei pra ele sem nem conhece-lo) e com o Matt chorando de alegria tambem ao ler esse texto he, que eu, que nem conheço seu avô, confesso que deu uma marejada.

Te amo muito dona Luisa Milano Buarque de Hollanda :P