sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Chovendo na roseira.

Não me lembro por quanto tempo fiquei a fitar o espelho. Senti os olhos cansados, então sai triunfante da sala de estar.
Segui em direção ao jardim, que tinha sua beleza iluminada pelo tímido sol de inverno.
Sentei displicentemente na grama, que começava a ser aquecida pelos fracos raios de sol, e, em um gesto calmo, inclinei a cabeça para trás. Senti as pontas do meu cabelo avermelhado roçarem na grama, sorri.
Era bom estar sozinha em casa, sem Nestor, ou Dalva, ou minha querida mãezinha para me dizerem o que fazer, ou gritarem pelos aposentos da casa. Sabia que duraria pouco essa paz, então fiquei em silêncio, observando a borboleta gritantemente amarela voar traiçoeira, perto de uma roseira, que só da rosa mas não cheira a frescura das gostas úmidas, que é de Luísa que é de Paulinho, que é de João! Comecei a cantarolar, e gargalhei da minha tentativa fracassada de imitar Elis Regina, como se o fato de termos o mesmo nome fosse sinal de termos o mesmo dom. Emudeci, fiquei por uns instantes a contemplar meus pés brancos e descalços que destacavam-se mediante ao verde vivo do gramado. Então senti uma súbita vontade de ouvir música, para espantar a frustração de ter sido rejeitada pela terceira vez nos testes para aulas de técnica vocal. Não basta querer cantar, você tem que ter o mínimo de talento para iniciar o curso! Foram estas as palavras da professora que estava avaliando os candidatos, e que usava óculos de tartaruga.
Levantei preguiçosa, estiquei os braços, senti a pequena Tutu passar sua longa calda branca pelos meus calcanhares, sorri para ela: ah, se fossemos só nós duas por aqui, Tutu...
Fui em direção ao pequenino lance de escadas que separava a sala do jardim. Antes de entrar no casarão olhei pra trás, respirei fundo. Uma linda manhã julho, que amanhã não estará mais aqui.
Agachei em frente á cômoda e comecei a procurar, em meio aos discos empoeirados, um que me agradasse. Queria algo animado, para afastar qualquer sentimento doloroso que pudesse se manifestar. Se fico parada sem fazer nada, começo a me encher de pensamentos indesejáveis.
A medida em que a melodia da música começou a penetrar meus ouvidos, meus pés ganharam movimento. Rodei uma, duas, dez vezes enquanto alguém me contava a respeito de segurar a mão de outro alguém, ou era a minha mão que ele queria segurar? Não me importei, rodopiei até cair jogada no sofá. Não pensava em mais nada agora.
O disco parou, o silêncio tomou conta da sala fria e cheia de móveis. Me encolhi, então ouvi Tutu miando alto lá fora, na certa está perseguindo o Tico-tico que mora ao lado, pensei.
Levantei-me com a intenção de buscar uma blusa para cobrir meus ombros nus, mas me distraí com um casal de namorados que passava do outro lado da rua. Olhei-os pela janela, melancolicamente.
Se eu ao menos entrasse naquele curso, se ao menos pudesse provar a ele... É questão de prioridades, Elis, só isso ele sabia me dizer. E então me deixou sozinha, em meio aos lençóis encardidos da pensão em que morava. Uma lágrima rolou pelo canto do rosto.
Um vento forte bateu na janela, assustei-me, abri a porta e trouxe Tutu pra dentro, vai começar a chover. Antes de bater a porta pude ver pétalas de rosa arrastadas pelo vento.
Tentei ler um livro pra me distrair, em vão. Acabei cochilando na poltrona grande e mofada que ocupava grande parte do meu quarto, e despertei com os pingos da chuva batendo na janela, me aproximei para olhar.
Está chovendo na roseira, pensei.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Carta

Demorei até ter coragem de lhe escrever,
Esta é uma carta que você nunca vai ler.

Canção singela esta, que nunca vai chegar aos seus ouvidos,
E que mesmo assim foi adiada
Por medo de infantilizar
O que de infantil não tem nada.

Escondi-a por medo.
Medo de críticas, de desencorajamento.
Não temo mais, a afeição é declarada
E todos ouvem meu grito, menos você.

Adiei estas tortas linhas
Por medo de infantilizar
O que de infantil não tem nada.

Falta pouco agora, chego ao final
Talvez a última frase eu nunca cante em voz alta.

É que sorrio ao lembrar do leve toque
Da sua mão na minha,
E isso pode vira a infantilizar
O que de infantil não tem nada.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Canção para os olhos cansados.

O amor que tenho por estes olhos...
Olhos que me olham com a sabedoria do sábio cansado.
Olhar com um quê de ternura, um ar divertido,
Cautela.

Esse par de olhos, que tanto já viu...
Minha imaginação não alcança seu olhar cansado.
Cansaço e sabedoria se abraçam, dançam,
Enquanto você olha pra mim e sorri.

Amor grande esse que eu tenho
Por esse seu pequeno par de olhos.
Olhos que um dia foram grandes,mas apequenaram-se
Enquanto a vida passava diante deles.
Encolheram sem, no entanto, perder o brilho.
Esse brilho jamais se perde.

É o brilho experiente dos seus olhos gastos
Que os meus olhos jovens tentam capturar,
Em vão.

Ah! O amor que eu tenho
Por estes olhos
Cansados.