quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Fluxo de consciência/Carta/Desabafo

O céu é tão escuro do outro lado da janela, que nem me atrevo a virar o pescoço para olhar uma segunda vez. Depois de dias de trégua as tempestades voltaram a bater violentamente contra as vidraças, e o guarda-chuva foi mais uma vez aberto, como forma de escudo contra os pingos frios e como um protesto às cores apagadas de uma cidade triste e parada.
Agora são 8h33 da manhã e aqui estou eu, esperando a rotina começar. Rotina essa que agora tem seus duas contados, e eu venho procurado a maneira mais correta de desabafar sobre isso. Vou embora, e agora é uma questão de poucas semanas. Os olhos marejam ao olhar a foto do meu pequeno irmão, posta bem aqui ao meu lado. Quando eu voltar, esse "pequeno" terá 12 anos de idade, e mesmo que eu volte com certa regularidade, perderei boa parte de sua trajetória, e isso dói.
O "vou sentir saudade" daquele que acredito ser o único por quem eu abandonaria todos os meus planos, volta aos meus ouvidos e se confunde com as palavras que digo a ele baixinho, num suspiro que engole choro...Quem é que vai cuidar de você, pai? Quem?
Quando na realidade a pergunta é quem vai cuidar de mim como você SEMPRE cuidou?
Meu quarto já é tão parte de mim que nem sei como poderei chamar outro aposento de meu. Quero leva-lo comigo, amo cada centímetro desse quarto, desde a parede vermelha aos antigos suportes de rede. Os ursinhos de pelúcia aparentemente esquecidos, a minha vitrola e os meus adorados discos de vinil. Não existe lugar como esse no mundo.
Escrevo meio escondido, enquanto imprimo envelopes que sei que imprimo pela última vez, e é claro que isso é emotivamente exagerado, mas vou sentir saudades de fazê-lo. Também vai deixar saudades essa moça, que sentou de frente pra mim por quase um ano. Por vezes quisermos matar uma a outra, por vezes ela me pegou cabulando serviço para fuçar na internet, e me deu uma baita bronca. E é claro que por vezes ela me ensinou lições que nem sabe que ensinou, e eu nem consigo pensar que daqui uma semana darei adeus a ela, aos lanchinhos no meio do expediente, às conversas, conselhos e caronas. Paulinha, uma das minhas mães.
Em 7 dias deixarei meu primeiro emprego, e os dois chefes mais bonzinhos, que eu sei que não se igualarão a nenhum outro que passe pela minha vida.
Lá se vai mais um dia de trabalho, o expediente já está quase no fim e já começo a me preparar pra ir pra casa da minha mãe, como faço frequentemente. Talvez ela seja a única que tenha a coragem de ler esse texto longo, até o final. É o jeito que ela encontra para estar perto de mim todos os dias.
Desculpe se as coisas são assim, mãe, e obrigada pelos pequenos detalhes que fazem toda a diferença. Como se interessar pelo que eu escuto, leio e escrevo, ou por sair no meio da tarde só pra comprar as coisas que eu gosto. Você é uma heroína e nem sabe.
Sei que assim que eu chegar na casa dela meu avô estará lá pra me recepcionar, com aquele olhar de quem voltou a ser criança e não lembra mais como é cuidar de si mesmo. Toda vez que me despeço dele, internamente, por mais terrível que isso possa parecer, me pergunto se será a última vez, e só de pensar nisso me dá vontade de chorar.
Aliás, tudo tem me feito chorar ultimamente. Agora já são três da tarde e eu ainda não consegui terminar esse fluxo de consciência/carta/texto/desabafo.
A música do Star Wars vem alto da televisão. Fecho meus olhos e tento a todo o custo gravar essa casa, nesse momento, dentro de mim. O chinelo do meu avô arrastando pra lá e pra cá, o cheiro que só tem aqui nessa sala, o meu ermano vendo desenho e meu tio, o cara mais inteligente que eu conheço, trabalhando no laboratório. Antes o Gabriel, meu anjo da guarda há cinco anos, apareceu de surpresa na porta do meu trabalho, andamos de mãos dadas e ele me contou da faculdade. Faculdade, é pra onde quase todos nós estamos indo. Uns, mas especiais e sonhadores, vão para a Holanda e ouros, para a alegria do público e orgulho dos amigos, vão para grupos de teatro.
Meus amigos estão escapando da minha mão, cada um segue seu caminho, e foge por entre meus dedos pequenos. Mas tá tudo bem, tenho de ir também. Agora penso naquela amiga que não só me inspirou a montar esse blog, como também me ensinou o que é a vida mais do que qualquer outra. Penso na pequena estilista com quem a vida sempre acaba me reunindo. Tem a lourinha do sorrisão, que é uma atriz formidável, os amigos de infância, os amigos que conquistei recentemente, aquelas três meninas que eu sei que vão me acompanhar pra sempre e, é claro, o meu chaveiro, talismã da sorte e amiga que lê meus pensamentos e me conhece decor.
Gostaria de levar todos comigo, todos, do fundo do meu pâncreas. São todos aqueles para quem eu não teria ter que dizer adeus.
Tem também aquele professor por quem fui apaixonada durante o ensino médio, o menino que mora no prédio próximo, que me deu meu primeiro beijo e hoje é meu grande amigo, todas as paixões platónicas que foram intensas e caladas e, é claro, aquele por quem eu sempre fui um pouquinho apaixonada, apesar de não admitir nem pro meu travesseiro.
Sei que tá na hora de parar de escrever... sinto os segundos passando. O tempo corre contra mim e meu irmão me chama pra brincar de esconde-esconde com ele.

Amanhã vou conhecer meu novo "lar", mas meu pensamento estará em São Bernardo do Campo e seus pequenos encantos. Os dias passados aqui, os sorriso, amigos, suspiros e gargalhadas, levo comigo cada esquina. Tudo aqui é tão meu, tão eu, que até dói.

(Pensamentos e declarações de amor e saudade antecipada, aos meus 17 anos de histórias e memórias vividos por aqui.)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Para Matheus.

Tem sete anos. É pequeno. Pensa que é um Jedi.
Clichê é falar do quanto as crianças são especiais e curiosas, e eu não vou nem entrar no mérito dessa discussão porque, nem se eu tentasse, conseguiria passar para um texto o quanto ESSA criança é especial e curiosa. Uma, porque as minhas habilidades como "escritora" ainda são um tanto restritas, e outra porque qualquer palavra, por mais bem elaborada, não explicaria o que é o Matheus, de maneira apropriada.
Meu irmão não é o mais inteligente, nem o mais bonito(apesar de chegar bem perto disso), ou o mais sensível, ou o mais engraçado garoto do mundo. Talvez possa dizer que ele é o mais especial, e com certeza posso dizer que ele é o mais amado, e o mais amável.
Correndo banguelo pela casa, com seu sabre de luz imaginário e vociferando palavras do seu prório vocabulário, olhando no relógio de tempo em tempo, pra não perder o horário do seu desenho favorito. Se eu pedir um beijinho pra ele, sei que para na hora o que estiver fazendo, vai chegar de mancinho e beijar meu ombro aquele beijo estaldo e gelado de sorvete de morango.
Não acho necessário me prolongar muito nesse texto, que nunca vai sair do jeito que eu gostaria e que nem sei se vou ter coragem de mostrar pra ele um dia. É mais um desabafo, uma explosão de amor e saudade antecipada, é mais um marejar de olhos que cresceu, e um suspiro que se prolongou, um pensamento que foi além do pensamento.
Aqui, Matheus, te deixo minhas desculpas sinceras, por não poder estar presente no seu dia-a-dia, pelos momentos incríveis que eu vou perder, e por não acompanhar o seu crescimento e a sua evolução como esse ser humano extraordinário que você é. Desculpe também se ás vezes eu tenho atitudes de pessoa crescida e chata, e não entendo alguma brincadeira sua.
Te deixo meu agradecimento, por me ensinar aquelas cosias que só garotinhos de sete anos podem ensinar pra gente. Obrigada também pelo amor incondicional e pela inocência, que como todo o meu coração eu desejo que você concerve.
Tenha muita força, e saiba que o mundo pode sim ser feio e cruel, mas ele é muito mais beleza, Matheus, e eu espero que você saiba enxergar isso.
Sei que não posso te proteger de todas as pessoas e situações ruins que você vai enfrentar, mas eu o faria, se pudesse.
Tem grandes olhos verdes. É magrelo. Está atualmente banguelo e queimado de sol. Eu o amo muito mais do que um dia eu pensei amar alguém.