quarta-feira, 22 de julho de 2009

Despertador

O som alto do alarme que tocava incessante, no quarto ao lado, acordou Eleonora num sobressalto. Xingou baixinho, entreabriu levemente as pálpebras pesadas e borradas pelo delineador que ela tivera preguiça de tirar. A cabeça doía, o corpo doía. Elle pegou o lençol e em um gesto rápido cobriu-se até a altura da testa.
“Porque é que mamãe programou o despertador, em pleno sábado? Vingança, na certa vingança, ela que não se conforma com o fato de estar velha, ela que tem inveja de minha juventude e de minha liberdade. Na certa, na certa ficou irritada pelo horário em que cheguei da festa da Claudinha, que imbecil.” A jovem resmungou por mais alguns segundos, então voltou a adormecer, um sono leve. Novamente ouviu o relógio apitar, arregalou os olhos, franziu a testa, ela só podia estar de brincadeira. "Colocou o despertador no modo soneca, a porcaria do despertador tocando a cada dez minutos exatos, que beleza!"
Em questão de segundos, diversos planos diabólicos para acabar com a mãe, passaram pela loura e inconseqüente cabeça Eleonora.
Virou-se de bruços, pressionou o travesseiro sob a cabeça, para abafar o barulho ensurdecedor do relógio. Como ela agüentava ficar ao lado do despertador e não se manifestar? Como, como? Protetores auditivos, na certa.
Eleonora sentou-se na cama, abraçou o travesseiro, sentiu leves pontadas de dor na cabeça, então levou as mãos ao couro cabeludo e analisou o quarto ao seu redor, parando o olhar, por um instante, no vestido amassado no chão e sorrindo de leve. Então sua mente saiu por um momento da atmosfera do apartamento, que se enchia com o barulho do alarme, e foi para a noite anterior, noite que passara quase toda ao lado de André. Deitou-se com a cabeça sob os braços e ficou a contemplar o teto, até que cochilou, pensando em André, e no beijo de despedida...
O despertador soou pela terceira vez, então num golpe rápido, Eleonora levantou-se decidida. Caminhando em passos largos, dirigiu-se ao quarto da mãe, praguejando. "Agora ela vai me ouvir, vou matá-la, juro que vou, aquela cretina, como pode, como pode? Que imbecil, vou matá-la, eu vou..." Não completou a frase.
Ao chegar na porta do quarto de sua mãe, Eleonora deparou-se com uma figura pálida, jogada na cama, com o braço pra fora. Estiou por um momento, então, deu três passos firmes em direção a cama e tocou de leve o braço da mãe, frio. Aregalou os olhos, sacudiu-a fortemente, gritando "Mãe, mãe.." Gritos inúteis. A garota, que agora tremia, sentou-se no chão, com os olhos marejados de lágrimas e, complemtamente indefesa e assustada, voltou a chamar "Mãe.." a voz morreu.
O despertador tocou pela quarta vez, gritando mais alto do que nunca, ecoando pelo quarto e abafando os soluços de Eleonora.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Meme

Jenny postou esse joguinho bacana e passou para mim. Normalmente acho esse tipo de corrente tola, mas a brincadeira em questão é relacionada a música, logo, só pode ser jóia.

Tenho que escolher uma banda, e responder dez perguntas com trechos de música da banda escolhida.
Vou fazer com as músicas da Violins, banda do coração, que se você não conhece, deveria conhecer: www.violins.com.br
Bem, lá vai:

1. Você é homem ou mulher?

Eu sou um piloto da força aérea Russa, eu cai aqui abatido do céu azul.
(Piloto Russo na aldeia Suskir)


2. Descreva-se.

Já faz mais de dez anos que eu perdi a visão e mais de dez anos que eu fiquei completamente surdo de um ouvido, e o outro só ouve confusão.
(Células tronco)

3. O que acham de você?

Eu sou muito menos, eu sou muito menos do que o sonho exige de mim...
(Qual a criança?)

4. Como descreve seu atual relacionamento?

... Mas eu tenho tantos corações, mas eu tenho tantos corações.
(Ensaio sobre poligamia)

5. Como descreve o atual de sua relação?

Sem prender minha vida em você, sem que a gente tenha que ser um.
(Corpo e só)

6. Onde você queria estar agora?

Esse é o lugar onde não importa o que você faça que todo pecado aqui te condena a ser feliz(...)
(Matusalém)


7. O que você pensa a respeito do amor?

Então respira mais, que eu respiro mais, ok ok.
(Ok, ok)

8. Como é a sua vida?

É tudo impressão, tudo em preto e branco, enfim, é tudo impresso.
(Hans)

9. O que pediria se tivesse um só desejo?

Nos traga inverno ou outono, tanto faz...
(Convênio)

10. Escreva uma frase sábia. (?)

Procure um pouco mais, há tanta musica pra gente descobrir e ouvir. Dá pra passar o resto da sua vida rústica escutando musica...
(O fim da música como arte)

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Casa verde

Hoje descobri que a casa verde de uma certa esquina, em uma certa rua, não está sendo reformada e pintada para virar o lar de alguém. Toda aquela gente pintando, furando e martelando a casa, para no fim ela se transformar em um escritório de “qualquer coisa”.
Isso me deixou frustrada e um tanto chateada, afinal, passei bem umas oito semanas da minha vida imaginando, toda a vez que passava por ela, cada membro da família que se mudaria para lá, incluindo o cãozinho latindo no quintal e o gato roliço ronronando no chão da sala.
Mesmo que fosse uma família completamente diferente da que eu imaginei, a idéia de a casa estar sendo preparada para marcar o recomeço da vida de alguém, me fazia sorrir divertida.
Agora, o sorriso inexiste. As crianças correndo, o cheiro do feijão saindo da panela sob o fogão da cozinha e as roupas estendidas no varal, sumiram, não passam de leves borrões que nem na minha imaginação existem mais.

Aqui jaz a casa que nunca foi casa, a família que nunca foi família e um pedacinho da imaginação da menina que, tristonha, dá a esse texto o seu ponto final.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Sobre o nada

Acordei de ótimo humor, com o relógio marcando 12:00 e com uma das minhas canções favoritas servindo como despertador.
Senti aquela corrente de ar frio da manhã, estiquei o cobertor de pelos, até ter minha face coberta. Tentei adivinhar se lá fora estava chovendo.
Cochilei por mais alguns instantes, então meu pai adentrou o quarto ainda escuro, e perguntou se iria almoçar já. Respondi que sim, levantei, e coloquei a primeira calça jeans que vi atirada na cadeira. Fiz questão de ignorar os fios de cabelo totalmente desalinhados e a maquiagem um tanto borrada da noite anterior, olhei no espelho e sorri.
Saindo do apartamento me deparei com aquela menina dos cabelos até a cintura, ela calçava botas compridas, de um tom escuro, e tinha uma mala de viagem em uma de suas mãos. "Na certa vai viajar com as amigas", pensei, e não pude deixar de sentir uma leve pontada de inveja. Sorriu pra mim, aquele sorriso pouco sincero e um tanto vazio, daqueles que a gente dá para os vizinhos quando os vemos no elevador. Cumprimentei-a, e juntas esperamos o elevador chegar.
No meu trajeto, sempre com os fones de ouvido, fui entretida a imaginar para onde iam as pessoas com quem eu trombava pela calçada. Eu geralmente faço isso, e me divirto um bocado.
Farol vermelho para os pedestres. Porque é que as pessoas fazem questão de atravessar a rua correndo, se o farol é verde para os automóveis?
Semáforo estranho. Temos apenas 8 segundos para atravessá-lo. OITO SEGUNDOS, barbaridade das grandes. Um dia sentarei no meio dessa rua, enquanto o farol estiver fechado, e permanecerei nela sentada, quando o farol abrir. Será um protesto, um protesto contra esse farol que nos obriga a atravessar a rua com passadas largas e com a incerteza de ele abrir a qualquer instante. Então, meus familiares e amigos receberão a notícia de que morri atropelada segundos depois do semáforo para os veículos ter ficado verde. Mas afinal, quem é que, cheio de preocupações mais importantes e dignas de atenção, notaria uma menina solitária sentada no meio da rua? "Era louca", seria o comentário geral.
Passei pelo farol insano e segui o caminho, observando as pequenas poças de água formadas pelas chuvas do dia anterior. "Ontem elas eram bem maiores", lembrei daquela em que eu, destraídamente, meti meu pé, encharcando o tênis.
Cheguei adiantada, e olha que fiz questão de caminhar calmamente hoje, observando tudo, tentando capturar cada instante que, em vão, escapava por entre meus dedos. Acordei com uma vontade tremenda de amar a vida, e acho que esse céu nublado e essa brisa gelada, fazem eu amá-la ainda mais.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Pedro

Toda vez que o sol desce e a maré sobe, eu me lembro de Pedro B.
- A hora mais bonita do dia. -dizia ele, sempre que estávamos sentados de frente pro mar, e o sol, que deixava de brilhar tão intenso, começava a se esconder por detrás da imensidão salgada. -É mesmo uma beleza!
A brisa movimentava levemente suas louras madeixas, deixando aparecer um rosto fino, de pele queimada pelo sol de Santos. Ele sorria, um riso a toa, um riso divertido. Então deitava-se de barriga pra cima, sem se importar com a areia fina penicando sua nuca e entrando maliciosamente em seu jeans surrado.
- Vou-me embora, Duda, vou-me embora. Vou pra bem longe de toda essa água e de toda essa areia, só levo meu violão. O violão e minha coleção de conchas... AH! Levo a Rosinha também! É isso mesmo que vou fazer, pode esperar.
- Vai embora nada Pedro, deixa de ser trouxa que menino como eu e tu cresce aqui e morre aqui. E mesmo que tu vá, Rosinha não vai contigo. - Respondi amargurado, porque sabia que Rosinha iria com ele, mesmo se ele não a quisesse.
Mas Pedro já não me ouvia, tinha os grandes olhos negros apontados para além do oceano, provavelmente pensava em sua vida, em como ela seria quando ele parasse de ajudar seu pai à pescar camarão.

Todos os dias depois da escola, Pedro B. ia andando pelas ruas de Santos com seus chinelos gastos, sua camiseta desbotada, o violão em punho e um sorriso malandro predominante em sua face. Ia sempre cantarolando algum samba antigo, que seu avô tocava pra gente quando eu dormia no casebre deles. O talento de Pedro era cosia de família.
Costumávamos ficar até as primeiras horas da manhã conversando. Ele deitando em sua cama, e eu em um pequeno amontoado de cobertas que Dona Suzana arrumava pra mim, sempre que eu dormia lá. Falávamos de tudo. Falávamos de nada. Tínhamos todo o tempo do mundo e um assunto inesgotável. Bolávamos planos para furtar todas as bolinhas de gude dos Gêmeos, Francisco e Carlinhos, sem eles notarem, falávamos com descaso das nossas notas baixíssimas nos testes da escola, falávamos das meninas que passavam na praia, usando saias mínimas.
Acho que de todas essas noites passadas sob o teto mofado do casebre, a que nunca saiu de mim, foi a noite em que Pedro chorou, por medo de seu pai sair de casa.
- Ele mais minha mãe brigaram de novo, Duda. Acho que dessa vez não tem volta não. O pai saiu e não voltou ainda... tem mais volta não. - Chorou, me abraçou, e eu nada disse. Não dissemos mais nada naquela noite, em que o barulho das ondas se chocando com as rochas, engoliram os soluços de Pedro.

Ele se foi em uma manhã chuvosa de março, mochila nas costas, violão em baixo do braço, e Rosa, com quem tinha a mão esquerda entrelaçada. Lembro que na mesma tarde, chorei escondido, em baixo de uma ponte aonde costumávamos jogar bola.
Pedro nasceu pra ser livre, pra ser do mundo, e eu pra ficar aqui, no Porto de Santos, pra sempre. E mesmo assim, nunca existiu amizade como a de Duda e Pedro B e ninguém nunca me ensinou nada como aquele moleque de 15 anos ensinou.

O sol desce agora, a maré começa a subir, sinto a brisa leve refrescar meu rosto. O riso de Pedro ecoa livre e divertido, pelo Porto de Santos.