sexta-feira, 16 de julho de 2010

Corrida de gotinhas

E lá estava eu, mais uma vez no banco do passageiro, fazendo o costumeiro trajeto de volta para casa. Mudando freneticamente a frequência do rádio, em busca de alguma música que pudesse me agradar, e tomando cuidado para fugir de alguma canção duvidosa que por acaso estivesse tocando nas rádios favoritas do meu pai. Ele, ardiloso, começaria a cantar emocionado, me impedindo assim de mudar de estação. É, acho que no fundo ele sabe que ver os olhos deles brilhantes, enquanto está cantando, é um dos meus pontos fracos. Quantas lembranças estarão escondidas nas melodias? Serão músicas com história, ou apenas agradáveis aos ouvidos, naquele momento? Não me importa, seus olhos cansados ficam brilhantes da mesma forma, e isso basta pra mim.
Evidentemente o tiro saiu pela culatra. Jorge Vercilo. Detesto as músicas desse cara! Bla bla bla, sempre falando a mesma coisa, e agora preciso encontrar alguma forma de me entreter nos próximos quatro minutos. Na certa poderia ficar ouvindo meu pai cantar, isso é um bocado divertido, mas depois de um tempinho é cansativo ouvir o refrão repetido pela décima vez (papai cantando como se fosse a primeira).
Olho pela janela, ou melhor, não olho. A chuvinha mansa que chove lá fora embaça o vidro do carro, faço alguns desenhos mas a minha cota de imaginação se esgota mais rápido do que deveria. Olho para os carros que passam ao lado do meu, mas quase todos estão com o vidro fechado, impedindo-me de olhar para os rostos dentro dos automóveis, dificultando a possível historia que eu poderia criar para estas pessoas. Seus destinos e seu passado ficam ocultos quando não posso olhar para eles.
Então, as vejo! Sim! Minhas salvadoras, as gotinhas de chuva caídas no vidro! Desafiando as leis da gravidade e caindo para cima, apostando corridas e despencando inescrupulosamente. Será que elas sabem que ao caírem assim tao rápido, encurtam suas vidas? Algumas cruéis acabam arrastando outras, que estavam lá, quietinhas, para o prematuro fim.
Outras, um pouco mais covardes, ficam estáticas, não vão para frente nem para trás, parecem indecisas.
Consigo ir ainda mais longe e imagino a linha da vida das gotículas. Se passar para lá, é gotinha morta, se permanecer aqui, é então cheia de vida. E elas pareceram ter entendido o meu raciocino, pois durante o tempo em que fiquei a admira-las, as do lado da vida permaneceram lá, intactas.
Não cheguei a saber se passaram para o lado de lá, não sei qual viveu, qual morreu, nao consegui terminar de conta-las.
A música acabou, enfim. Rapidamente mudei de estação. Pensei em contar ao meu pai sobre as gotas, a linha da vida e as suas aventuras. Não. Acho que isso arruinaria tudo. Meu pai é meu maior herói, mas esta cansado e preocupado demais com a vida para olhar para as gotinhas. Não o culpo, não mesmo. Pensei em morrer com o segredo delas, minhas gotinhas, mas acho que compartilha-las com o luisainthesky é muito mais sabido e divertido :)

5 comentários:

JoWTime disse...

'Quando crescer, quero escrever como você. te juro! :)

Ferdi disse...

Sempre sabida e divertida.
E sempre a me emocionar com sua absurda doçura literária, sério :~

Te amo, minha Ursinha!

Umbabarauma (Ponta de lança africano) disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Umbabarauma (Ponta de lança africano) disse...

genial! Me identifiquei muito, não é por menos, com tanta sintonia que temos... E esse nome do blog em dona Luísa, LSD? não conhecia esse seu lado hahaha

Jenny Souza disse...

nem preciso dizer o que pensei ao ler esse texto.
vc já sabe.

saudade desses textos assim, feliz.