quarta-feira, 1 de julho de 2009

Pedro

Toda vez que o sol desce e a maré sobe, eu me lembro de Pedro B.
- A hora mais bonita do dia. -dizia ele, sempre que estávamos sentados de frente pro mar, e o sol, que deixava de brilhar tão intenso, começava a se esconder por detrás da imensidão salgada. -É mesmo uma beleza!
A brisa movimentava levemente suas louras madeixas, deixando aparecer um rosto fino, de pele queimada pelo sol de Santos. Ele sorria, um riso a toa, um riso divertido. Então deitava-se de barriga pra cima, sem se importar com a areia fina penicando sua nuca e entrando maliciosamente em seu jeans surrado.
- Vou-me embora, Duda, vou-me embora. Vou pra bem longe de toda essa água e de toda essa areia, só levo meu violão. O violão e minha coleção de conchas... AH! Levo a Rosinha também! É isso mesmo que vou fazer, pode esperar.
- Vai embora nada Pedro, deixa de ser trouxa que menino como eu e tu cresce aqui e morre aqui. E mesmo que tu vá, Rosinha não vai contigo. - Respondi amargurado, porque sabia que Rosinha iria com ele, mesmo se ele não a quisesse.
Mas Pedro já não me ouvia, tinha os grandes olhos negros apontados para além do oceano, provavelmente pensava em sua vida, em como ela seria quando ele parasse de ajudar seu pai à pescar camarão.

Todos os dias depois da escola, Pedro B. ia andando pelas ruas de Santos com seus chinelos gastos, sua camiseta desbotada, o violão em punho e um sorriso malandro predominante em sua face. Ia sempre cantarolando algum samba antigo, que seu avô tocava pra gente quando eu dormia no casebre deles. O talento de Pedro era cosia de família.
Costumávamos ficar até as primeiras horas da manhã conversando. Ele deitando em sua cama, e eu em um pequeno amontoado de cobertas que Dona Suzana arrumava pra mim, sempre que eu dormia lá. Falávamos de tudo. Falávamos de nada. Tínhamos todo o tempo do mundo e um assunto inesgotável. Bolávamos planos para furtar todas as bolinhas de gude dos Gêmeos, Francisco e Carlinhos, sem eles notarem, falávamos com descaso das nossas notas baixíssimas nos testes da escola, falávamos das meninas que passavam na praia, usando saias mínimas.
Acho que de todas essas noites passadas sob o teto mofado do casebre, a que nunca saiu de mim, foi a noite em que Pedro chorou, por medo de seu pai sair de casa.
- Ele mais minha mãe brigaram de novo, Duda. Acho que dessa vez não tem volta não. O pai saiu e não voltou ainda... tem mais volta não. - Chorou, me abraçou, e eu nada disse. Não dissemos mais nada naquela noite, em que o barulho das ondas se chocando com as rochas, engoliram os soluços de Pedro.

Ele se foi em uma manhã chuvosa de março, mochila nas costas, violão em baixo do braço, e Rosa, com quem tinha a mão esquerda entrelaçada. Lembro que na mesma tarde, chorei escondido, em baixo de uma ponte aonde costumávamos jogar bola.
Pedro nasceu pra ser livre, pra ser do mundo, e eu pra ficar aqui, no Porto de Santos, pra sempre. E mesmo assim, nunca existiu amizade como a de Duda e Pedro B e ninguém nunca me ensinou nada como aquele moleque de 15 anos ensinou.

O sol desce agora, a maré começa a subir, sinto a brisa leve refrescar meu rosto. O riso de Pedro ecoa livre e divertido, pelo Porto de Santos.

2 comentários:

Jenny Souza disse...

Como não gostar dele, desse texto e dos meninos de Santos ?
C'est impossible menine !!

Olha, mas não é uma pupila de Jorge Amado. :)

Beijos, amo-te.

Natália Albertini disse...

Mas que puta obra triste, hein, Jorge Amado? Para, chorei litros.

E com essa da minha amiga Luísa também. [;
Boto muita fé na tua escrita, meu bem.
Continua assim, sempre.

Beijo grande da (sua) Natá.
*;