sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Entre uma e outra estação(...)

As rugas dos olhos pastosos sorriram. Em seguida sorriu o sorriso de dentes tortos e alvos, sentados na cadeira preferencial do metrô.
O senhor com pouco mais de setenta anos, apoiava os braços em sua bengala antiga, de uma elegância esquecida, em um gesto lento e cansado.
Permanecera durante quase todo o nosso trajeto com a expressão rígida, e um ar sério, grave, talvez com os pensamentos em sua época de moleque jogador de bolinhas-de-gude e batedor de bafo, de aluno levado que se escondia embaixo da mesa para olhar a saia da professorinha. Talvez pensasse em uma finada esposa, ou um antigo caso de amor. Pode até ser, porque não? Que estivesse a pensar nos netinhos a quem estava indo encontrar para o almoço de domingo.
Tentei buscá-lo com o olhar, incansavelmente. Tinha a nítida impressão de que se conseguisse atrair sua atenção, e se trocássemos olhares, nem que fosse por um segundo, poderia adquirir uma porção pequena de sua sabedoria. Leria seu olhar e então entenderia sua história, a história da bengala, da camisa desbotada, das veias azulíssmias, saltadas do pescoço branco, e da boina preta. Veria sua esposa, seu primeiro emprego, o veria menino, correndo para o colo da mãe, com medo da chuva.
Não pude mais prestar atenção em meu livro, em minha música, nas estações que passavam. Queria apenas lê-lo, conquistar sua simpatia, quase como que eu uma espécie de hipnose momentânea, não conseguia desviar o olhar.
E meu velho companheiro permanecia impassível. Intocável.
Dei-me por vencida, era isso. Conformei-me apenas em imaginar sua vida, como já fiz tantas vezes com tantas almas que passam desapercebidas pelas ruas, sem que se note seu brilho.
Então, aconteceu. Quase como um milagre, o dono da bengala desviou o olhar para o assento o lado do meu. Um velhinho, de aparência um pouco mais jovem do que a do primeiro, acabara de sentar. E como se houvesse uma identificação imediata, trocaram olhares, sorrisos, e fim. Cúmplices.
Parceiros de histórias e experiências, identificaram-se e cumprimentaram-se, como se dissessem um ao outro "Hey, sei como você se sente. Sei que a solidão dói. Seus olhos já estão embaçados, seus ossos estão mais fracos, a paciência encurtou, a memória também. A saudade é maior companheira, e o medo da morte aumenta a cada minuto, eu sei". A fração de segundo com que se olharam e se desencontraram, foi o suficiente.
Hora de descer. Levantei-me, emocionada por ter sido testemunha deste gesto de cumplicidade mútua e breve, pensando em como a vida é bela, e em quantos encontros silenciosos e bonitos podem acontecer em um vagão simples de metrô.

5 comentários:

Unknown disse...

Nem todos conseguem enxergar a riqueza que um detalhe pode ter...
Vc enxergou,e a partir disso criou um texto mtu lindo e emocionante...
Adoro a sensibilidade com que escreve...

Unknown disse...

É realmente incrível se pararmos pra pensar que cada indíviduo , entre alguns milhões , traz em si uma crônica pessoal e uma história de vida .
Delicioso quando algo assim nos chama a atenção e leva à reflexões e deduções que , por mais imprecisas e vagas que sejam , nos possibilitam o exercício de observar o tanto que nos cerca .
E o seu texto Lu , mais uma vez , lindo demais .

Unknown disse...

A riqueza da simplicidade. Te amo.

Jenny Souza disse...

ah como eu sempre fico feliz por lembrar que disse "menina para com isso, publica logo seus textos, faz logo um blog!"

foi um simples comentário e veja só no que deu! Um dos blogs mais lindos e doces e tocantes das galaxias.

Amo-te

daniella almeida disse...

Lindo texto e lindo o novo visual do blog hehe *-*